O Cair da Tarde – Renato Pera

O Cair da Tarde – Renato Pera
Zwei Arts

Textos Críticos

O Cair da Tarde – Renato Pera

Vivemos uma época de mutações e com ela um desconforto já diagnosticado. Talvez tenha sido sempre assim; ciclicamente, tempos de mutações ou crises colocam em jogo nossas concepções sobre o que conhecemos ou imaginamos conhecer nos dando a sensação da perda de algo. Porém este “agora” que vivenciamos é marcado por uma cultura do excesso. Imagens, sons, palavras nos bombardeiam céleres e incessantemente como talvez nunca tenha ocorrido.

Esta primeira individual de Renato Pera dá a oportunidade de nos confrontarmos com questões como essas. A profusão de referências que fazem parte de seus trabalhos, e de sua própria poética, exemplificados na diversidade e mesmo na aparente disparidade entre os trabalhos, nos faria supor um artista que trabalha a questão do excesso em sua produção como assimilação rasa e sem questionamentos. Todavia não é desta forma que ele trabalha, mas para isso convém identificarmos alguns eixos que antes de organizar, possibilitam as relações entre suas inúmeras referências.

A arquitetura é um destes eixos. Seja alterando um espaço existente, como emThe Endless,e consequentemente criando um novo lugar, seja emO Cair da Tarde IeO Cair da Tarde IInas quais os locais onde estão inseridas têm suas ambiências alteradas de forma a não serem apenas objetos mas a terem uma presença enfatizada por este mesmo local. Neste sentido, são instalações concebidas para os espaços da Casa Contemporânea, mas que podem ser montadas em outros locais com resultados outros e não menos instigantes.

Lidar com o banal ou com elementos do cotidiano faz parte do léxico contemporâneo; para isso, porém, é necessário que o artista consiga como que enxergar em meio a um facho de luz que recebe em seu rosto. Renato lida com isto através da concisão. Sua postura perante os excessos seria uma busca pelomenos, por trabalhos que provocam pequenos deslocamentos que a princípio causam estranheza para em seguida nos surpreenderem. Isto acontece tanto emJanela Basculante,nos adesivosVolteador de Salãoou no filmeThe Dawn of Man / A Aurora do Homemque utiliza imagens do filme de Stanley Kubrick (2001: Uma Odisséia no Espaço).

Por último, mas não menos importante, está o modo como a artista lida com as camadas de significado dos trabalhos – não só através do que vemos, mas também pelos nomes ou por aspectos estéticos que ele sabiamente incorpora.Tirésias, O Jardim das Hespérides (Infragranti) e O Jardim das Hespérides (Melancolia)mesclam mitologias, erotismo, imagens ressignificadas, simulacros, falências. O modo como esses eixos se cruzam acabam por gerar possibilidades de legibilidade ou uma obra aberta. Como Renato mesmo diz: esta exposição “é uma progressão, não uma visão concluída sobre minha produção”.

Um pequeno livro do século XVIII escrito por um obscuro cientista chamado D.T. Bienville e com o delicioso título “A Ninfomania ou Tratado sobre o Furor Uterino” se assemelha a um sério tratado de medicina que visa tratar das “enfermidades femininas” sob um aspecto moralista. Porém, o que a princípio parece um livro sério com suas descrições tanto fisiológicas quanto medicinais, vai nos confundindo cada vez mais, tornando-se erótico, divertido, literário e, essencialmente, estranho a ponto de surpreender. Para isso, porém, é necessário que lidemos com sua profusão de informações trazendo-a para a contemporaneidade. Aviso: esta não é uma analogia gratuita.

Marcelo Salles