Inês Fernandez, Olivia Niemeyer e Sílvia Matos – Sem Convenções na Contemporânea [S]

Inês Fernandez, Olivia Niemeyer e Sílvia Matos – Sem Convenções na Contemporânea [S]
Zwei Arts

Exposições

Inês Fernandez, Olivia Niemeyer e Sílvia Matos – Sem Convenções na Contemporânea [S]

As obras de arte na exposição que Inês Fernandez, Olivia Niemeyer e Silvia Matos mostram na Casa Contemporânea em São Paulo articulam-se  em um vibrante projeto expositivo de três exposições com pesquisas artísticas particulares. As três artistas moram em Campinas, São Paulo.

Mesmo com projeções espaciais e conceituais díspares, é possível identificar pontos de conexão nos processos de criação que regem a construção visual de cada uma das três artistas. São processos que desmentem as técnicas tradicionais para conglomerar as modalidades artísticas contemporâneas: pintura, fotografia, vídeo, escultura, colagem… Aqui diversas e fundidas em procedimentos reversíveis de assimilação e complexidade transgressora. Inês, Olivia e Silvia argumentam visualmente processos de ruptura compositiva e constituinte, conceitual e/ou metaforicamente que são transportados metodologicamente por caudais de pesquisa, assimilação, construção e projeção   de manifestos visuais particulares  a teoremas artísticos coletivos.  A assimilação e reversão de processos e ciclos naturais e materiais constituem um outro ponto de conexão nos recursos estéticos que cada uma das artistas promove.

 

Inês Fernandez

As obras de arte na exposição refletem um estado de ânimo coletivo que coincide com uma situação no país que incentiva o isolamento individual. A partir de uma pesquisa artística sistemática e multifacetada que exala vivências coletivas de um posicionamento crítico particular. Sendo assim, a artista articula magistralmente os arcabouços históricos e aqueles relacionados aos procedimentos de linguagem. Ao mesmo tempoem que os procedimentos e os signos de construção dos vídeos apontam conceitualmente à simplicidade e à destruição literal da técnica, direcionam-se, também à urgência de uma atitude crítica individual e coletiva. Isto com o deslocamento subjetivo dos pontos de discussões propostas a partir das composições audiovisuais como obras de arte: agora e aqui não mais consideradas formas emergentes de expressão artística.

Fernandez converte suas obras de arte em ferramentas visuais, artísticas e estéticas para projetar questões e provocar discussões  relativas à arte política e à politica da arte. Democracia, 2017/2019 e Sem título, 2007/2019  registram a execução de procedimentos químicos corriqueiros e do cotidiano coletivo: palavras escritas com limão em papel branco que, depois, ao colocar fogo, se destacam e desintegram fisicamente pela ação deste. Estes registros sintetizam a força nas convicções da artista.

A artista intensifica a contingencia de leituras plurais com as obras de arte do díptico com inscrições em braille sobre papel da Série Para todos, 2019. Promove, assim,  uma reflexão sobre a conivência e convivência do espectador com o sensível e com as ausências que a visão/visibilidade esburaca no mundo ao construir de forma integrada o som, o sentido das palavras, a visualidade; visando dar através da cartografia das palavras em braille, uma arte geral com paralelos com a poesia concreta. Aqui Democracia, Vida, Amor, Ódio, Perdão, Morte em sua disposição, conotação e diagramação não são palavras.  Fernandez, como Merleau –Ponty, salvando diferenças no tempo e no contexto, propulsa que a arte é uma percepção pessoal; coloca essa percepção na sensação e pede à inteligência para organizá-la , também, como obra de arte.

O trânsito satisfatório da artista por diferentes modalidades verifica-se em Amarelinha, 2018,  impressão digital em papel,  onde a composição sugere um movimento espiralado que também relaciona-se com processos visuais do vídeo arte.

As conexões cromáticas e espaciais que Fernandez articula nas obras de arte verificam-se na impressão digital em papel, também pertencente à Série Para todos, 2008/2019, pela multiplicidade de discursos recorrentes da análise desta imagem em particular. A “confusão” interpretativa e contextual que provoca ao sugerir uma foto performance, uma instalação, uma pintura, uma escultura… se expandem até chegar a nós para, daí, partir até um infinito imaginado.

 

Olivia Niemeyer

Nas composições apresentadas na exposição, em que se alternam planos tridimensionais a bidimensionais e vice versa, a artista subtrai sensorialmente as informações materiais das caçambas e as reconstrói numa instalação complexa e articulada na conjunção de todas as obras da série Cidade em andamento (2002/ 2019). Mesmo que os suportes para cada obra de arte ou série de obras de Cidade em andamento sejam modificados, Niemeyer constrói com elas uma gigantesca caçamba de apropriações e significados que espalha-se pela sala de exposições que ocupa na Casa Contemporânea.  Ao apresentar as obras de arte em diferentes suportes, tendo o registro fotográfico como ponto de partida, a artista projeta uma noção de construção visual resultante da articulação entre elementos descontínuos, tal como aparecem distribuídos nas caçambas. Não entanto, estes registros fotográficos, e seus desdobramentos em manifestos visuais, aparecem construídos tal qual a relação entre peças de uma engrenagem que possibilitam também uma ruptura da interação simbiótica entre o mental e o ótico. Corrobora-se o postulado de Georges Braque que Não se imita aquilo que se quer criar.

Assim, Cidade em andamento nos remete à arguição de Didi-Huberman de que, em cada uma das obras, e no conjunto delas, ressaltam-se a contradição entre o real registrado e uma nova realidade transformada em obra de arte. Fracionamentos e deslocamentos, reconhecimento e associação com o cotidiano, convicções e referências  tonificadas, sutil e proposital recorte dissonante a ser registrado; uma oposição violenta como definia o historiador de arte francês Pierre Francastel as relações antitéticas na arte de Manet.

Em Nas cores da memória, 2015, a artista remete a uma assimilação projetiva do políptico. Isto desde a composição até as variações sensoriais de interpretação que as cinco peças articulam. A transferência ao acrílico dos nomes de reconhecidos artistas plásticos e visuais  (ROTHKO , MALEVICH, YAYOI, KLEIN e POLLOCK) e as sombras reais e metafóricas desta metatextualidade ativa provocam inflexões estéticas ricas em consequências.

 

Sílvia Matos

A artista constrói e projeta cirurgicamente suas obras de arte a partir de procedimentos relativos à pintura e à fotografia, vistos aqui como receptáculo tridimensional expandido. Colocando em xeque discursos técnicos tradicionais da arte e questionando a tradição e os códigos pré arte contemporânea . Em Entrada 1 e 2, 2016, no tríptico Noturno 1, 2 e 3 ( da série pintura seca em tela mole), 2015 e em Vermelho 1 e 2, 2018, os pigmentos inseridos, azul ultramar e vermelhos (carmim entre eles) sobre preto, ressaltam uma tridimensionalidade constitutiva. Numa sedimentação provisória, as partículas coloridas movimentam-se ativamente como moléculas de um organismo em direções sensórias díspares: a ação da artista, a articulação com os movimentos da propagação das partículas de cores uma vez expostas as obras de arte.

Esta movimentação sensorial e a  reversibilidade nos procedimentos e nos resultados verificam-se, também,  na série Pintura seca, 2008. As cores primárias são inseridas individualmente em cada uma das cinco almofadas e/ou espalham-se sensitivamente em jatos de partículas cromáticas pelo espaço e pela  mente.

Os 20 auto-retratos da  série Gritos mudos, 2000, imagens digitais impressas e adesivadas em vidro, espelho e madeira, se articulam em camadas que se expandem irradiando conceito e metáfora. Ao mesmo tempo em que a artista propõe a dissociação recorrente do registro clássico do retrato, sugerindo a desconstrução das imagens e projetando-as para um espaço tridimensional e ambíguo, ela possibilita a inserção do espectador neste contexto de registro particular, acrescentando-lhe potencia à autoria. Desta forma, a responsabilidade de proferir significados é plena do espectador. Constata-se o postulado de Cézanne que  O Olho não é  suficiente. É preciso também pensar.

Como artistas contemporâneas, Fernandez, Matos e Niemeyer vigorizam em suas respectivas pesquisas artísticas as ordens de tensionamentos do fazer artístico contemporâneo: conceitual e espacial. E com isto fomentam questionamentos particulares e coletivos; vivificam a polissemia de estratégias a serem exploradas como (e com os demais) agentes do campo artístico que concomitantemente provocam a diluição das bordas rígidas de classificações tradicionais e ativam estratégias inteligentes além das tentativas de instauração orgânica.

Andrés I. M. Hernández – Curador, produtor, professor e Doutor em Artes Visuais – São Paulo Verão de 2019

 

Serviço

Exposição Inês Fernandez, Olivia Niemeyer e Sílvia Matos
– Sem convenções na CONTEMPORÂNEA [S]

Curadoria: Andrés I. M. Hernández
Abertura: 22 de março de 2019
Visitação: de 23 de março a 04 de maio de 2019 | Terça a sexta das 14 às 19h – Sábados das 11 às 17h
Local: Casa Contemporânea, 370 – Vila Mariana, São Paulo