Exposições
Minha trajetória no mundo dos livros
Marisa Garcia de Souza
A artista do livro Marisa Garcia de Souza apresenta a exposição solo “Minha trajetória no mundo dos livros” a partir do dia 21 de setembro de 2019 [sábado], 11h, na Casa Contemporânea, na Vila Mariana. Com curadoria de Marcelo Salles e texto crítico de Fabiola Notari, a mostra conta com 30 obras/livros produzidos pela artista carioca radicada em São Paulo.
A sua primeira individual vai revelar o percurso pelo mundo da encadernação, com ênfase nos contemporâneos. Sua formação clássica traz uma pequena mostra desde os trabalhos iniciais chegando até ao livro de artista. Ela já participou em mais de uma dezena de coletivas no exterior, como Itália, França, Canadá, Suíça e Estados Unidos.
Diversas técnicas podem ser vistas na mostra, assim como a alemã (com Ernesto Berger); “plats rapportés” (com Godelieve Dupin de Saint-Cyr); encadernação flexível (com Sün Evrard); encadernação de restauração (com Kathy Abbott); “Link” (com Sol Rébora) e lombada-fora (com Pénélope Guidoni).
Sobre a artista
Marisa Garcia de Souza nasceu, em 1954, no Rio de Janeiro/RJ. Trabalha e vive em São Paulo/SP. Seu primeiro encontro com a encadernação foi nos anos 60, aos 12 anos. Retoma o contato e o interesse com o ofício ao terminar a Faculdade de Letras.
Depois de uns anos de formação no Rio foi para a Europa, aprofundar seus conhecimentos, fazendo cursos na Escola de Artes Aplicadas do Vésinet – AAAV, com a professora a Sün Evrard, que a guiou, aconselhou e introduziu ao mundo da encadernação de arte contemporânea e do livro de artista.
Teve como professores Godeliève Dupin de Saint-Cyr, Paula Gourley, Annie Persuy e Hélène Jolis. E mais recentemente David Sellars, Dominiq Riley, Kathy Abbott, Sol Rébora e Pénélope Guidoni. É membro da Association des Amis de la Reliure d’Art (ARA), seções França; da associação britânica Designer Bookbinders e da norte-americana American Guild of Bookworkers.
Fez parte, como convidada, do grupo “Les Pages Bien Gardées” e “Tomorow’s Past”, que lançaram, em 2001, os fundamentos de uma concepção inovadora para a encadernação do século XXI.
No Rio, em 1992, instalou seu ateliê próprio onde trabalhou durante vinte e cinco anos atendendo colecionadores, bibliófilos e instituições. Nessa mesma época, conheceu o mestre-encadernador Ernesto Berger, que a apresentou às técnicas alemãs. Em 1995, fundou a firma “Palmarium Encadernações de Arte”, juntamente com Cristina Viana Tenenbaum e Isabel Corrêa do Lago. Em 2005, se afasta da firma para se dedicar a aulas, projetos especiais e consultorias dentro do mundo das artes dos livros atividades onde se mantém ativa até hoje.
SERVIÇO
“Minha trajetória no mundo dos livros” de Marisa Garcia de Souza
mostra de encadernação clássica/contemporânea [30 obras]
abertura: 21 de setembro de 2019 [sábado], 11h
período: 24 de setembro a 26 de outubro de 2019
[terça a sexta, 14h-19h. sábado, 11h-17h]
quanto: grátis
classificação: livre
Assessoria de Imprensa: Marmiroli Comunicação | marmiroli.com
O mundo dos livros de Marisa
Desde as formas mais arcaicas de comunicação escrita (das placas de argila sumerianas e as tabuletas gregas recobertas de cera) até os tablets ou e-books contemporâneos o conceito do livro pouco se alterou; ele continua a ser um suporte que recebe uma comunicação e torna possível que outra pessoa tome contato com esta e, desde que familiarizado com os códigos ali estabelecidos, a compreenda. Este percurso longuíssimo tornou o livro um objeto “natural”.
Muitas vezes algo se “naturaliza” e não nos damos conta de sua importância. Assim é com a encadernação e, claro, a capa de um livro. Enquanto no volumen (o livro em rolo) o conteúdo ficava longe dos olhos, no códex ou códice (o livro como o conhecemos hoje) já adentramos este conteúdo através da forma e do material da encadernação e da própria capa; esta mesma capa que protege e guarda um tanto de mistério do que veremos ao abrir um livro.
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Um conhecido paleógrafo (até onde um pesquisador de manuscritos antigos pode ser conhecido), Christopher De Hamel, descreve como o contato com estes livros pode ser uma experiência memorável, repleta de mistério, história e emoção. Claro que produzir manuscritos nos dias de hoje, considerando que essa expressão abarca um amplo arco que se inicia em Gutemberg e sua impressão com tipos móveis, é anacrônico. Ainda assim algo do trabalho manual permaneceria com sua consequente sedução. Penso que é justamente neste ponto que os trabalhos de encadernação de Marisa Garcia de Souza nos tocam em cheio, onde a sedução migraria do que estava internalizado nos manuscritos para a externalidade das capas e seus materiais diversos, além da compreensão e consequente interpretação do tema de que trata o livro e detalhes que tornam o conceito da iluminura algo contemporâneo.
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Ao enfatizar o trabalho manual não podemos esquecer que na chamada encadernação artística contemporânea há também um pensamento interpretativo sobre o tema do livro, mas este pensamento é instrumentalizado o que torna sua ação limitada. Arrisco a dizer que isto inquietou Marisa e a levou ao encontro do “livro de artista”. Esta modalidade, não tão recente, mas ainda um tanto incompreendida no meio artístico, assume a forma livro, muitas vezes apenas “sugerida”, para dar vazão aos anseios criativos dos artistas e construir outras narratividades. Portanto, foi apenas uma questão de tempo para que aquela compreensão, a compreensão e certa generosidade de Marisa, do trabalho feito por outro autor, literário ou do âmbito das artes visuais, migrasse do exterior, a “capa” propriamente dita, para o interior do livro.
Assim, ela conseguiu uma ampliação de sua produção autoral e de pesquisa. Isso acontece principalmente na questão da apropriação e em seus trabalhos de encadernação sobre outros “livros de artista” criados por colegas, respectivamente.
A diversidade de materiais, formas, temas, abordagens não permite detalhar nem mesmo cada grupo de obras desta exposição, sob o risco deste texto despretensioso tornar-se um ensaio. Porém, gostaria de destacar a série de trabalhos feito a partir de livros de cordel (logo à entrada da exposição); ainda que a literatura de cordel seja conhecida, sua relevância não condiz com o espaço que ela efetivamente ocupa enquanto manifestação cultural genuína e arcaica. Marisa traz para a contemporaneidade, através de seu empenho, sensibilidade e generosidade, os singelos cordéis, respeitando sua forma simples e forte. Longe da ideia de julgamento que pode estar associada à capa de um livro, Marisa explicita a dignidade destas pequenas joias da cultura com suas precisas, e preciosas, ações.
Marcelo Salles
setembro de 2019
Quando conheci Marisa…
Livros. Este é o ponto de partida. Foi por causa deles que nos encontramos há alguns anos na Fundação Ema Klabin. Marisa já admirava a coleção de livros raros de Eva Klabin no Rio de Janeiro e recém-chegada a São Paulo, encontrou na outra Klabin um primeiro contato com a nova realidade.
Em 2013, dei continuidade ao trabalho iniciado por Luise Weiss, o grupo de estudos Livros de artista, livros-objetos: entre vestígios e apagamentos na Fundação Ema Klabin. E lá estava Marisa. Imediatamente nos aproximamos. Os livros e seu universo sempre nos fascinaram, Marisa por ser encadernadora de arte e eu por produzir, pesquisar e difundir o livro de artista.
Aos poucos, as afinidades foram se misturando, as práticas e estudos foram se tornando uma boa rotina, pois desde então, o grupo não deixou de existir e Marisa não se afastou em nenhum momento. Enfim, mais do que inspirada pelos livros e formada por eles, Marisa é uma artista deles. De livros clássicos de técnicas tradicionais, a produção artística de Marisa desenvolveu-se poeticamente, alcançando profundas relações com seu contexto e suas vivências com diversas linguagens artísticas.
Vendo esses livros nessa exposição percebo o quanto há de Marisa em mim e o quanto de mim existe nela. Sua generosidade em compartilhar conhecimento só fez crescer a minha admiração e meu respeito pela artista que hoje consolida uma caminhada nova com os livros, com os livros de artista.
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida (…)”. Que os livros e suas vozes não sejam calados e que eles continuem sendo o ponto de partida de muitas descobertas e o ponto de encontro de muitas vidas, como foi entre Marisa e eu.
Fabiola Notari
Agosto de 2019