Exposições
Singulares
SINGULARES
A exposição traz a produção recente dos artistas Helena Carvalhosa, Marcia Gadioli e Rogério Pinto.
Helena Carvalhosa mostrará o vigor inquieto e libertário de sua produção com pinturas e cerâmicas.
Marcia Gadioli utiliza a fotografia para discutir mudanças urbanas, o processo de globalização e o estatuto da imagem na contemporaneidade.
Por fim Rogério Pinto trará o estranhamento e o humor em suas pinturas dotadas de um frescor pouco visto na produção atual.
Juntar esses três artistas numa mesma exposição é abrir possibilidades para que um maior número de pessoas tome contato com uma produção instigante e de extrema inventividade em linguagens como a pintura e a fotografia, onde a profusão de artistas e obras parece nos levar a uma uniformidade da produção, mas também abrir espaço para uma linguagem que reaparece com força que são as cerâmicas de Helena.
Muitas vezes o que é singular, o que é único, surge de maneiras insuspeitadas. A singularidade das coisas não se apresenta em algo pretensamente novo ou no que aspira a ser único. Ser singular, principalmente na contemporaneidade, não é uma aspiração; é algo inerente ao artista que cria como respira: de forma natural como se sua existência dependesse disso.
Textos: Marcelo Salles
MARCIA GADIOLI
A importância da fotografia na arte contemporânea acabou por coloca-la numa crise de identidade. Passou-se a discutir o que ela não era enquanto o que ela sempre foi ficou relegado à algo datado.
Usar a fotografia como registro é faze-la trabalhar ao lado da memória e recuperar seu uso original. Isto não quer dizer priva-la de suas potencialidades, mas sim possibilitar uma reavaliação do que é e do que pode a fotografia na contemporaneidade.
Marcia utilizou desde o inicio de sua produção a cidade para poder falar da memória. Nessa trajetória o que era registro com uma camada de leitura mais plana ou una foi adquirindo relevo já que as mudanças urbanas aceleradas tem relação direta com a perda de identidade dos bairros e um apagamento da memória de seus moradores. Este fenômeno recente tem escala mundial e a série paisagens (SP e NY) põem em questão a indistinção de centros urbanos, optando por mostra-las justamente através de visões pouco usuais. É dentro deste conceito que foge ao estereotipado que ela discute o processo de globalização, utilizando um símbolo onipresente dela: o container. Presença tão massificada em qualquer lugar do planeta podem até passar despercebidos mas onde eles estão a uniformização do mundo está ocorrendo rapidamente. Os registros tiram os containeres dessa uniformização para torna-los visíveis, seja em relações diretas com moradias precárias seja através de uma leitura cromática que os aproximam de pinturas.
Nestes trabalhos recentes temos a oportunidade de ver que o olhar do artista ainda nos mostra como enxergar o que não viamos mais, o que havia nos cegado.
HELENA CARVALHOSA
Numa recente visita ao ateliê de Helena, após eu ter visto suas novas pinturas, mostrou-me algumas placas de ardósia recortadas e descartadas de uma reforma que ela havia executado:
– Fico brincando com elas, com suas formas. Não é bonito? – ela disse.
Poucas vezes vi artistas onde o assunto, o tema, ficasse tão em segundo plano perante a alegria do fazer. Essa alegria faz com que sua produção abarque toda e qualquer linguagem que ela julgue necessária. Todavia a alegria por si só não garantiria nada. Algumas das pinturas recentes possuem a mesma temporalidade física e indefinição que são algo constitutivo de sua poiesis, mas estão em companhia de outras telas menos matéricas e mais definidas e surge uma certa ordenação de caráter geométrico em ambas. Um tipo de ordenação também está presente nas cerâmicas (chamarei assim as quatro peças expostas por facilidade; poderia chama-las de esculturas ou mesmo de instalações). Cada pequena peça é associada à outra com características semelhantes (como tipo de queima, cor da argila, se recebe ou não esmaltação) e, então, conformadas por telas de aço. Esse represamento da organicidade explícita da cerâmica faz com que a peça adquira uma latência vigorosa. Porém não seria esse abarcar várias linguagens ou meios algo arriscado quando se tenta produzir um corpo de trabalho vigoroso? – penso que não; Helena sempre deixa claro o quanto gosta de correr riscos, de se sentir insegura, e sua maneira de lidar com isso é ser libertária o suficiente para dar vazão a sua inquietação. Ao olhar atentamente conseguimos entender que o vigor de sua produção vem, em parte, daí; mas é nas relações de trocas nada obvias que ela engendra, que reside o mistério desse interesse despertado em nós.
ROGÉRIO PINTO
Rogério não se preocupa com questões teóricas ou com a elaboração de um discurso para suas pinturas.
Ele anseia pintar.
Em um primeiro momento poderíamos pensar que esta ansiedade se traduz numa profusão de temas ou “estilos” e na utilização de elementos reconhecíveis com uma dose de algo, digamos, bizarro. Não é isso. Há uma coerência em seu fazer que vai se desnudando assim que tomamos contato com seus trabalhos. Nesta produção recente o espaço unitário deixa de sê-lo através de uma divisão feita pelas imagens; poderíamos dizer que temos duas pinturas que foram colocadas lado a lado, mas esse procedimento é bem mais complexo e potente, pois confere a uma pintura dita “figurativa” uma outra camada de compreensão e, consequentemente, possibilita uma experiência da ordem que costumamos associar à pintura dita “abstrata”, pois diminui o protagonismo da figuração potencializando-a enquanto ela mesma, ou seja, tinta sobre uma superfície bidimensional. Sua fatura, seu processo de execução, é também algo mais “contemporâneo” de um ponto de vista da mescla de ações: as imagens que ele escolhe de cartazes antigos, almanaques, são compostos num programa, formatados para impressão e impressos em papel com suas cores alteradas em relação à imagem original; é neste suporte que ele trabalhará a pintura. Apesar da diminuição do protagonismo das imagens elas ainda retém algo que acaba por nos atrair. Esta atração que provocam pode ser explicada de maneira mais teórica como está acima, mas gosto de pensar que elas são extremamente atraentes e inusitadas, talvez pela total falta de pretensão ao fazê-las, algo que falta a uma “certa” pintura contemporânea; talvez por possuir uma relação extremamente verdadeira e honesta com o que faz, algo tão mais perceptível quanto menos tentamos nomea-lo.