Exposição – Fronteiras: lugar do estrangeiro

Exposição – Fronteiras: lugar do estrangeiro
Zwei Arts

Exposições

Exposição – Fronteiras: lugar do estrangeiro

O estrangeiro nem sempre está alhures. O inconsciente freudiano é paradoxalmente reconhecido pelo irreconhecível, isto é, por aquilo que é estranho ao repertório identitário do sujeito. É como expatriado que o inconsciente penetra as entranhas do corpo. O exílio é experimentado nas bordas: o exilado lutou por sua pátria, mas é precisamente por estar tão enraizado em sua terra a ponto de entregar sua vida para salvá-la, que foi banido de seu lugar. O inconsciente está nesta fronteira, entre o dentro e o fora, o íntimo e o estranho, algo almejado e repudiado. É como se sobras esparramadas de uma carne recortada para formar uma unidade bem desenhada da subjetividade não se calassem. Ao contrário, tais restos gritam e exigem reconhecimento, integração, voz, forma. Esses apelos de fragmentos da carne ocorrem sem que intenções ou decisões conscientes bem ponderadas interfiram em seu conteúdo e em seu formato. A arte se aproxima dessa idéia. Não raro escutamos artistas tentando definir seu processo de criação ou decisão para a realização de uma obra, sem saber exatamente como isso se dá. Mas os artistas se tornam mestres em atravessar balizas e percorrer horizontes distantes. Nessas viagens, aprendem a tornar familiar precisamente esse lugar desconhecido. As obras de arte podem ser pensadas como tentativas de criar uma cartografia do desconhecido, encravado na pele do artista. Escutar essa língua estrangeira que grita através de seus poros, até ser capaz de compreendê-la, pode ser uma das formas de pensar como as obras de arte se materializam. Um psicanalista também aguça sua escuta para esse território estrangeiro, que sempre escapa de um discurso circular e repetitivo do paciente. Submeter-se a um processo de análise é aprender a dar consistência precisamente a esses fragmentos que foram rechaçados ao longo de uma árdua tarefa de entrada na cultura e de constituição subjetiva. Tais aspectos se insinuam no discurso, nos gestos, nas palavras, mas o ouvido do analista os captura para que essas manifestações, que se dão num desvio e se localizam à margem, ganhem terreno, colorido, forma, textura. Se o desconhecido, tanto para psicanalistas, como para artistas, é matéria fundamental, nada mais interessante do que estabelecer um encontro na fronteira – lugar em que forasteiros trocam suas experiências e repertórios de viagens. É com esse olhar que pensamos na exposição que ora vocês encontram na Casa Contemporânea, local que abriga de forma irreverente as mais diferentes produções de arte da atualidade.

Texto: Alessandra Affortunati Martins Parente