Exposições
Exposição – PIGMENTO #1
“…isso significa ser contemporâneo: ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar” ¹
Giorgio Agamben
Muitas vezes testemunhamos algo a respeito da incompreensão quanto aos trabalhos de arte contemporânea. Compreensível; porém é singular que esta incompreensão venha, com uma incômoda frequência até, mais de pessoas ligadas ao meio das artes onde não é raro associarem contemporaneidade com gêneros de expressão. Nada mais equivocado.
A contemporaneidade não é uma reserva de mercado de gêneros de expressão (escultura, vídeo, performance, pintura, instalação) mas de como expressar as inquietações e incertezas contemporâneas.
A exposição Pigmento #1 é um recorte da produção de dez artistas e nela optou-se por destacar os que trabalham com elementos “não reconhecíveis”. Esta denominação serve apenas de balizamento para nos aproximarmos dos trabalhos, em que pese uma heterogeneidade minuciosa. Assim é que trabalhos como os de Isaac Sztutman, Silvia Mendes e Marina de Falco lidam, cada um à sua maneira, com questões sobre o espaço. Isaac ao dispor blocos de cores em um campo monocromático parece criar um local apartado de qualquer indicio do real, mas suas pinturas tem origem em fotos de bairros de São Paulo. A disposição de espaços nas telas de Marina parecem ir em direção oposta: suas “paredes” de cor, reforçadas por linhas tênues de grafite, seriam quase projetos arquitetônicos se não viéssemos a saber que surgem de uma pesquisa do universo formal do concretismo e neo concretismo. Para Silvia as relações de cores que busca e o modo como as dispõem nas telas são sua origem e fonte de inquietação, ainda que pareçam trechos de arranha-céus numa metrópole.
Quase como um contraponto à sala anterior, Esther S. Kleiman, Adriana Pupo e Beatriz Sztutman trabalham a pintura como uma essência de algo afastado do mundo físico. Esther se vale do rigor da aquarela para mostrar relações de interação, conflituosas ou harmoniosas, que vão além das questões estéticas. A leveza nas telas de Adriana, com cores diáfanas e economia de elementos, requer um posicionamento contraditório na sua fatura, algo como uma rigidez maleável, onde os pequenos trabalhos em pastel mostram a gênese desse processo. Beatriz opera de outra forma: sua pintura, seja nas telas claras ou nas escuras, tem a cor alterada por direções de pincelada, raspagens, deposição de matéria e elementos que surgem como se sempre estivessem ali.
No piso superior temos outra abordagem diversa com Jeff Chies, Tania Nitrini, Vera Cavallari e Márcia Vinci. São trabalhos onde a abordagem da pintura parece se fazer através de um pensamento mais conceitual e metódico. Nos trabalhos de Vera isto remeteria a uma rigidez mas, ao olharmos mais detidamente, não se confirma essa impressão já que as cores, o intercalar entre as faixas pintadas e as outras que surgem justamente pelo espaço da fita adesiva (seja por adição de outra cor ou pela tela branca que fica) permitem um respiro e um dinamismo muito próprio. Tânia também se vale de faixas de cores mas o resultado é completamente diferente. A geometria juntamente com uma solução de escala muito bem resolvida e utilização de cores com forte personalidade atualiza questões pictóricas básicas. O trabalho de Jeff tem as mesmas premissas anteriores mas suas telas optam por uma abstração informal com ênfase no gestual e onde uma relação corporal acaba se estabelecendo através da escala das telas. Os trabalhos de Márcia se distanciam um tanto dos três anteriores; ainda assim temos cores fortes, pessoais , devido também ao uso da guache, disposta de maneira que ora remete ao gestual, ora ao rigor construtivo, mas que se conformam à maneira de uma parede ou de um anteparo, onde frestas nos deixam entrever um outro lugar que já existia ali, mas que só nos damos conta de sua existência porque agora nos foi vedado. De forma improvável, Márcia como que estabelece uma ligação entre os trabalhos do piso inferior e os do piso superior.
Ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar. Para cumprir essa tarefa impossível Agamben diz que ser contemporâneo é uma questão de coragem. Penso também que seja uma questão de honestidade; com o que somos, com o que fazemos, com o compromisso que assumimos. A pintura, mas não só, traduz essa necessidade, esse assumir a busca de algo inalcançável que no mesmo instante que parecemos vislumbra-lo ele se afasta de nós e que mantém uma relação com o passado, mas também com o futuro, que o escreve no presente.
Ao questionar, e se questionar, sobre os rumos da pintura contemporânea estes artistas não optam por um caminho fácil ou do já assimilado, do ordinário da vida. Procuram, sim, no ordinário, no comum a todos, onde está o que é capaz de, sem grandiloquência, nos conduzir ao extra-ordinário.
Texto: Marcelo Salles
¹ Agamben, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios – ed. Argos, pg 65.
PIGMENTO é um grupo de dezessete artistas que se valem da pintura como seu principal meio de expressão.