Sobre o silêncio e sobre a cor – Beatriz e Isaac Sztutman
Essa exposição se fez sob o signo da dualidade.
Não só pelo fato, óbvio, de serem dois artistas participantes mas também por uma inter relação de complementaridade ao invés de por oposição, já que associamos dualidade a possibilidade de duas idéias, ou coisas, opostas.
Opto por associar também este caráter duplo ao que chamamos humano ou humanismo.
Mitologicamente o caráter duplo é ligado ao que é humano em contraposição a unicidade dos deuses; o homem, por exemplo, surge à imagem e semelhança de um deus (seu duplo) porém ele será sujeito as fraquezas, erros, mas também a possibilidade de escolhas ou autonomia (livre arbítrio).
Essa autonomia e a possibilidade do erro é que nos coloca junto à arte e, especificamente neste caso, à pintura.
É a pintura que nos permite essa convivência entre opostos, experimentação, erro e acerto.
Os trabalhos da Bia e do Isaac possuem, individualmente, essa condensação ou uma síntese do humano em nós.
O silêncio é ascese. A cor é o mundo corpóreo. É quando eles se encontram que temos esta síntese, quando estas características distintas podem conviver numa mesma tela de forma complementar.
Mas isto não é tão simples. Para percebermos o silêncio temos que senti-lo, muitas vezes, por sua ausência; assim como a cor também se faz presente não por sua exuberância, mas por uma memória, uma lembrança dela entranhada em outras cores?
Sendo assim, os trabalhos expostos podem se apresentar ora ruidosos e com cores muito presentes (no piso inferior), ora se encaminhando para o silêncio e uma economia tonal (piso superior).
Chega a ser admirável que isto ocorra no trabalho de ambos e de forma diversa. No trabalho do Isaac oscilamos do ruído para o silêncio e da diversidade de cores para um quase monocromatismo por adição, por uma construção de um plano único, à semelhança do branco original da tela, cindido por pinceladas que abrem espaço não em uma névoa mas em algo concreto como uma paisagem urbana.
Para a Beatriz essa mesma oscilação se dá pela subtração, por um desvelar algo que já estava presente antes mesmo da tela branca receber a primeira pincelada,porque já existia em memória, em espírito; é preciso uma aproximação para percebermos quando a cor se faz por uma ausência de luz.
Temos que nos acostumar com a cor que se esvai assim como com o silêncio que surge. Mas só percebemos isso pelo contato anterior, pela memória.
É desta forma que temos o equilíbrio, sempre fugidio, entre corpo e espírito, entre corpo e memória; porque tentamos reter algo de transcendente em nossos corpos ou mentes.
Quando pintamos vivemos mais, porque vivemos além do que somos.
Texto de Marcelo Salles