Helena Carvalhosa – arte é o exercício experimental da liberdade

Helena Carvalhosa – arte é o exercício experimental da liberdade
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Helena Carvalhosa – arte é o exercício experimental da liberdade

O nome de uma exposição pode dizer-nos muito sobre ela. Inicialmente se chamaria apenas Helena Carvalhosa, ratificando a frase inicial, pois o caráter desta individual era lidar com a produção recente da artista e sua singularidade. Vejam que paradoxal: essa singularidade se formaliza na diversidade de linguagens que ela utiliza e em algo mais complexo que é a relação com sua produção. Lembramos, porém, de uma frase muito cara à Helena: arte é o exercício experimental da liberdade, do crítico Mário Pedrosa.

Desnecessário falar da importância de Pedrosa. Quanto à frase, ficou claro que ela poderia ajudar a compreender a tal complexidade citada acima.

Tentarei ser claro. O artista deve possuir uma relação com seus trabalhos, com sua produção, que seja verdadeira. Podemos chamar a isso honestidade, palavra fora de moda nos dias de hoje, mas, por isso mesmo, extremamente contemporânea. Ainda assim é preciso que esta produção consiga traduzir esta verdade de forma forte, inconteste. A arte, assim mesmo, sem adjetivos temporais, pode ser feita por artistas honestos com seu trabalho, mas que não conseguem que ocorra esta transformação; outros possuem uma produção que pode parecer verdadeira e forte, mas como a relação é feita segundo ditames do mercado ou do espetáculo ou ainda de um falseamento das coisas, não conseguem que ela se estabeleça ou acaba por ser desmascarada de forma cada vez mais rápida.

Neste complexo caminho de mão dupla Helena vai palmilhando e produzindo em variadas linguagens que se alimentam umas das outras.

A curadoria procura mostrar como essas linguagens se influenciam e se transmutam. Seus desenhos, sejam os que lidam com a paisagem ou com planos e sobreposições em formas não reconhecíveis, mostram um diálogo estreito com as cerâmicas mas isto não se faz de maneira fácil ou direta, na maioria das vezes não acontecem no âmbito do visível, mas como elaboração da memória, de um pensamento ancestral. Ou, quando as cerâmicas quase-bichos parecem encontrar seu habitat em algumas pinturas ou desenhos com sua junção de estranheza, ironia e imprevisibilidade. Essa junção é ainda mais definida nos objetos; é quase como se tivéssemos um Farnese de Andrade possuído por uma alegria, por uma luminosidade contagiante. Inclusive, essa mesma luminosidade está em suas pinturas, mas uma incompletude, como se algo estivesse por se definir, também está presente. Aqui, acho que compartilho com Helena o interesse pela pintura; suas telas incorporam uma temporalidade física juntamente com aquela certa indefinição que aguçam o interesse porque nos propõem desafios de toda ordem.

Era importante, portanto, que se conseguisse trazer o espírito do ateliê da Helena, onde essas relações existiam mas qual brasa dormida, para os espaços da Casa Contemporânea e pudessem mostrar sua potência e verdade de forma mais fácil.

Por último, e não menos importante, um outro aspecto contribui para a complexidade não do trabalho de Helena mas de seu estranhamento instigante. Há um problema que faz sombra a toda produção moderna e contemporânea: a cultura. Quando ela assume um protagonismo, uma mão pesada demais, os trabalhos tendem a perder as relações complicadas e imperfeitas e assumir um caráter homogêneo e simplificado, parafraseando o crítico Rodrigo Naves, que tornam boa parte desta produção refém de simplificações ou jogos de citações. A produção de Helena Carvalhosa não possui um peso intelectual que a torne refém da cultura, antes, liberta-se dela. É necessário ter uma vontade e uma honestidade consigo mesmo surpreendentemente forte e enérgica.

Helena costuma dizer que estar insegura é o seu interesse. Não desconfio nem um milímetro disso.

Marcelo Salles