Textos Críticos
Arquiteturas Impalpáveis
Estamos fadados a ser incompletos. E fadados a procurar uma complementação.
Religião, dinheiro, poder, cultura, arte. Como a vida não basta, criamos escoras que nos sustentem ou aplaquem a insatisfação. Arte e cultura parecem sair-se melhor nesta tarefa mesmo que, paradoxalmente, venham perdendo importância e/ou venham a reboque dos demais.
A religião, por exemplo, adquiriu uma assustadora relevância nos dias de hoje; desta forma é difícil para um artista contemporâneo lidar com a questão sem ficar refém ou do politicamente correto ou do “chocar” gratuito.
Clarice age em outra chave. Tanto a instalação Tô de olho em você como Lave main tem uma ironia leve, nada cínica ou caustica que podem nos atrair justamente por isso. Porém, tanto a instalação sonora que dá nome a exposição (Matraca) quanto Sexta-feira, ainda que possuam este caráter de leveza são mais críticas. Através de palavras encadeadas e ditas em torrente Matraca vai construindo mentalmente em quem escuta imagens ou conceitos. Sexta feira, com sua leveza metafórica e visual foca um assunto mais complexo e espinhoso: o sincretismo religioso e, conseqüentemente, a falsa idéia de sermos um povo sem preconceitos.
Procissão afasta a concepção leve ou irônica e tem um viés mais questionador: ela torna explicitas nossas diferenças? Estar em um mesmo local, com um mesmo objetivo, nos torna “iguais”? E quando esta atividade cessa, voltamos a ser diferentes ou nos conscientizamos de nossa origem comum? Aceitar uma convenção social episódica nos absolve de pensar coletivamente?
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A exposição Matraca não fala de religião. Fala de reminiscências. São as lembranças de uma educação rígida em colégio religioso em contraponto ao avô que se paramentava de branco para ir à sessão de candomblé. Estar em um culto ou atividade católico e a cabeça voando com outros pensamentos e palavras.
Essas reminiscências são as verdadeiras escoras onde estamos apoiados. A partir delas vamos construindo nossas histórias, tentando sanar nossas incompletudes, escrevendo nosso livro no tempo. Não é gratuito que um dos trabalhos da exposição seja chamado Livro das Horas.
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A arte ainda é capaz de falar ao outro, de dizer algo sobre o que somos e como somos. Não sejamos ingênuos, porém. Quando o artista fala de si, de forma honesta, ele fala de todos. Ainda que o entendimento não seja pleno o dialogo se inicia e colocamo-nos em contato. Não fugimos do que somos. Principalmente quando optamos pela arte.
Marcelo Salles