Textos Críticos
Parcerias Poéticas, de Edith Derdyk
Aqui, parcerias horizontais: entre o status da curadora e dos artistas participantes, entre ser orientador e ser orientando, deságua a mostra LIVRO DE ARTISTA: produção, pesquisa e reflexão, cujo título indicia estas trilhas.
Os livros de artista que compõem esta mostra são frutos de um sistema colaborativo de trocas de experiências e informações, sob a ótica da horizontalidade, resultantes de encontros sistemáticos, fora do âmbito acadêmico, cujo núcleo gira em torno da figura-chave de Luise Weiss que, atravessada pela função de artista-orientadora-propositora-educadora, potencializa e promove vórtices nas relações afetivas- efetivas em torno e a partir de um objeto poético – o livro de artista.
O tripé produção+pesquisa+reflexão habita os interstícios e as conexões entre “como pensar e como produzir” livros de artista, conjugando os arcos extensos de possibilidades poéticas e a projeção deles dentro de um espaço expositivo – Casa Contemporânea.
O agenciamento deste pensar+pesquisar+refletir+projetar+produzir+realizar ganha, aqui, um corpo coletivo promovido tanto pela figura-chave que orquestra os procedimentos quanto pela própria natureza do objeto poético – livro de artista -, a espinha dorsal que pontua tantos horizontes.
A produção de livro de artista é prática recente aqui no Brasil, desde idos de 60, cujos conceitos que amplificam esta modalidade artística se firmaram, de maneira mais consistente, há menos de uma década. É absolutamente fascinante constatar sua vocação virótica, pela natureza naturalmente múltipla, passível e possível de ser reproduzido em tiragens abertas e, quem sabe, infindas, mesmo sendo um!
Gênero poético multiplicador, geométricamente progressivo, o livro de artista povoa trampolins – em saltos e mergulhos – codificando outros modos de pensar a criação, produzir reflexões, pesquisar procedimentos, projetar práxis poéticas, construir plataformas específicas para sua produção e circulação: seja através de ambiências propícias para trocas – tais como as feiras de livros de artista que tem acontecido de forma sistemática, por todo o Brasil, nestes últimos anos; seja pela presença cada vez mais constante em exposições – galerias, museus, instituições culturais, até mesmo em escolas, universidades; seja na aquisição de livros de artista para compor acervos de Museus e Bibliotecas.
Para visualizarmos os índices iniciais destes percursos, algumas sinalizações, agora marco e fronteira: o primeiro livro sobre livro de artista, aqui no Brasil, nasce de dentro da Universidade, editado em 1991 pela UFRGS, fruto da pesquisa teórica de Paulo Silveira. ‘Página Violada’ sistematiza e organiza informações e conceitos, balizando as primeiras estruturas genéticas do que se nomeia genericamente como livro de artista, alinhando conceitos e procedimentos históricos – tanto dentro do circuito nacional quanto do internacional – fundamentais para a construção de repertório visando a prática desta reflexão ou a reflexão desta prática, dentro do contexto universitário. Livro-antena, intuição do que viria por vir, Paulo Silveira antecipa o que agora estamos reverberando, fora do contexto acadêmico.
Desde este primeiro sinal de alerta, o livro de artista tem praticado a vocação virótica, até pelas condições inatas de seu fazer, conjugando colaborações, oriundas de outros campos de saberes e sabores, que vão das técnicas de impressão – sejam artesanais ou industriais- ao conhecimento dos artistas do livro que dissecam sua arquitetura/engenharia – o ofício dos artesãos tradicionais e/ou os artesãos-designers.
A apropriação de uma “práxis reflexiva” aqui, na mostra, é incorporada através desta horizontalidade posta, em seus paralelismos – da qualidade colaborativa destes encontros à apropriação do objeto poético livro de artista, cuja linguagem, em si, potencializa as distintas camadas de ações que se somam , em elos.
A prática da experiência da poética ou da poética da experiência permeia todos os traçados da mostra, composta pelos artistas-pesquisadores: da concepção à realização, da reflexão à produção – fazendo emergir o que há de mais vivo e fundante nas relações humanas – a educação como passaporte para a construção das singularidades e alteridades.
A etimologia da palavra educação, de origem latina, desvela a qualidade humanizadora: ação de nutrir, criar e cultivar, cujas ‘sinonímias’ são as palavras delicadeza e sapiência. Este leque de sentidos traduz o espírito do trabalho, ultrapassando as fronteiras da formalidade hierárquica e institucional dos modelos educacionais, extrapolando os fundamentos acadêmicos que avalizam formatos do binômio pensar/fazer.
Aqui encontraremos um leque de trabalhos resultantes destes encontros, balizados pelo tripé pesquisa+reflexão+produção, cujo leitmotiv é o livro de artista, objeto poético que, de forma sintônica, cultiva simultaneamente o devir da multiplicidade e o tônus da intimidade, construindo assim uma ponte metafórica entre a natureza do livro de artista e a arte dos encontros realizada por este grupo – aproximações afetivas e afinidades eletivas dadas pelo gosto das parcerias poéticas.
Edith Derdyk
março 2014