Textos Críticos
As Pinturas de Rogério
Você encontra com a mesma pessoa em um curso, convive com outras no trabalho, vai ao bar e restaurante onde cumprimenta e conversa com outras algumas vezes. São seus amigos ou conhecidos; com alguns você se identifica e pensa: como será o cotidiano dessa pessoa? O que ela faz, gosta, odeia, bebe, come, lê…
No caso de um artista, esse pensamento, esse imaginar o outro, adquire um pouco mais de mistério. Assim como passa-se a conhecer melhor alguém quando privamos de sua intimidade, quando somos convidados à ir a sua casa por exemplo, o atelier diz muito a respeito dos trabalhos de um artista e, claro, dele mesmo; ainda que na arte contemporânea possa haver uma certa incompreensão tanto ao trabalho no atelier como em relação à pintura.
Os trabalhos que se encaixam na terminologia “arte contemporânea” trazem consigo pechas, entre outras, de difíceis, incompreensíveis ou vazios de um “sentido” que, no imaginário da maioria das pessoas, deveria existir. Ironicamente esses mesmos “defeitos” são colocados junto a pintura, mas ela não é considerada como contemporânea (por mais que a tinta apresente-se fresca).
Nestas recentes pinturas de Rogério Pinto o acúmulo de informações mostra-se como um todo fragmentado. Composto por massas de cores, figuras, signos, referências à cultura popular, ícones retrôs, coisas inacabadas, sentimentos. Neste difícil amálgama, tão caro a contemporaneidade, nossos olhos encontram muitas vezes um repouso matisseano: aquela inexplicável calma que parece suspender, por breves instantes, o transcorrer da vida plasmada em massas de cores e linhas. Porém há nelas um dinamismo explícito, fruto não só de uma fatura expressiva, mas também da atitude natural de buscar sentidos ou significados em figuras ou signos reconhecíveis para percebermos que eles ali surgem desprovidos de qualquer função cognitiva.
Esse olhar que se alterna entre a pausa e o circular pela tela cria o desejável jogo entre pintura e espectador; uma pintura feita como colagem, porém composta única e exclusivamente por tinta e que não se realiza somente na retina.
Apesar de tudo isso, talvez a maior empatia que elas podem criar advêm de um sentimento transbordante da vontade de pintar; esta necessidade ancestral, inexplicável, incontida que ainda é capaz de emocionar, fazer pensar e que dificilmente pode ser expresso por palavras ou encerrado em rótulos.
Desta forma, ao recriar a atmosfera do atelier de Rogério, tentamos ir um pouco além de suas pinturas; mostrar sua poética, seu processo de produção, os trabalhos convivendo entre si e alimentando a produção futura, como uma metáfora do viver: aprender, experimentar, conviver com os erros e os acertos, tentar melhorar, se desiludir, se apaixonar, começar outra vez. Assim como se começa uma tela.
Marcelo Salles