Exposição | A CASA

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Exposição | A CASA

Visitação: de 22 de maio de 2012 a 23 de junho de 2012

A questão da imagem ou o artista como Narciso

Água, vidro, monitores. Materiais diversos em sua constituição, mas que guardam similaridades quanto ao poder de reter, refletir, distorcer, mostrar imagens. Mas o que imagens mostram?

Os três artistas da exposição A Casa desenvolveram trabalhos específicos para os espaços expositivos da Casa Contemporânea. Sem abdicar de suas respectivas poéticas o espaço, e porque não dizer, o espírito do lugar, foi importante como um ponto comum geracional entre estes trabalhos e, metaforicamente, tornou-se corpo e consciência dos próprios artistas.

Assim, o que veremos em cada sala são imagens geradas pelas relações sociais que desenvolvemos, seja em esfera pública ou privada, mas que se originam de visões estritamente pessoais.

Lynn Carone constrói um ninho onde questões que antes de serem contrárias são complementares como o interno e o externo, a objetividade e a subjetividade, a matéria e o ser, tratando do relacionamento íntimo entre duas pessoas. A carga do que projetamos como um relacionamento assume o ambiente onírico não só nas fotos, mas principalmente no vídeo Ronda;nele a água que é palco da morte no mito de Ofélia vira celebração da vida.

Julieta Machado expande este círculo íntimo. Telhado de Vidro, nome de sua instalação, nos fala do desejo, utópico talvez, de relações sociais mais verdadeiras, mais “transparentes”. Esse desejo, que literalmente vai ao chão, vira o “mar de aparências” que temos de atravessar para chegarmos até o que atrai nosso olhar.

Os registros, em áudio e em vídeo, de João Carlos de Souza mostram elementos reconhecíveis. Porém algo não se completa ou então não corresponde ao que esperamos; isso ocorre notadamente no vídeo Luz, que nos coloca dentro de um túnel ou em Olhares(que vemos através de um olho mágico). Em todos os trabalhos o tempo escorre lentamente e mesmo reconhecendo o que vemos em O beijo ou ouvimos nas instalações sonoras Eu te amo trazem uma sensação de desconforto como quando fazemos algo para agradar um familiar ou um amigo por mera convenção.

Muito do que vemos, ou ouvimos, corresponde a padrões estabelecidos em nosso repertório intelectual e cognitivo. Daí a analogia com o mito. Roland Barthes dizia (em Mitologias) que o mito significa uma ilusão a ser exposta, mas que possui sentidos de segunda ordem agregados por convenção social. Procurar desconstruir um mito ou vê-lo de outra forma, não convencional, pode ser mais elucidativo. É exercer um pensamento de possibilidades.

Associamos o mito de Narciso com a vaidade exagerada, com alguém que pensa exclusivamente em si. Pensemos de outra maneira: Narciso é aquele que se projeta diante de algo que lhe atraia profundamente; e não faz isso por vaidade ou por soberba, já que não compreende o que lhe atrai. Por isso se projeta, mergulha no que vê.

Assim é o artista. Seus trabalhos são o lago onde Narciso se vê refletido, onde está projetado, sem saber claramente do que se trata. Ele tem de mergulhar naquilo que cria para se reconhecer. E nisso também difere do Narciso do senso comum: ele não é egoísta, “narcisista”; seu ato de entrega é porque sabe ou deseja que outros também possam se reconhecer no que veem, desde que dispostos a mergulhar.

Desconfie do que vê, desconfie do que ouve.

Água, vidro, monitores. O que imagens mostram?

Texto: Marcelo Salles