AR(e)S, individual de Edilaine Brum

AR(e)S, individual de Edilaine Brum
Zwei Arts

Exposições

AR(e)S

“AR(e)S”, primeira exposição individual em São Paulo da artista Edilaine Brum.
Com curadoria de Marcelo Salles, que a acompanha desde 2015, a artista apresenta mais de 30 obras recentes, entre esculturas, assemblages e desenhos. A mostra estará aberta para visitação de 21 de setembro até 23 de outubro de 2021.

A seleção das peças se deu a partir da idéia de uma exposição que focasse na produção mais recente, principalmente em escultura, as cerâmicas, em conexão com as assemblages (ou objetos), que tem muita importância na trajetória da artsista e os desenhos seriados que indicam uma construção de pensamento que adquire uma formalização mais consistente nas esculturas.

AR(e)S – anotações para compreender o vento que move uma artista.

Formas de expressão em artes visuais como o desenho e a escultura são normalmente associadas a linguagens arcaicas ou clássicas; assim como o denominado objeto (ou assemblagem) é associado a contemporaneidade. Claro que estas são apenas definições. É a subjetividade de cada artista que pode, ou não, escolher com quais meios vai se expressar. Não é usual que artistas se utilizem de uma relação entre linguagens que em tudo parecem diferentes. Para que isso se efetive é necessário método e afinco.

Ars pode ser traduzido como arte, da maneira geral como entendemos hoje. Ela deriva do grego Teknée designaria uma atividade humana, diferente do que é produzido pela natureza, submetida a regras ou convenções que requerem habilidade no fazer. Essa habilidade pode ser conquistada através do estudo e da pesquisa orientando a prática manual insistente (a tal práxis). Todavia, o que diferencia os artistas é algo menos palpável, imaterial e não fenomênico. É como uma lufada de vento que rodopia um saco plástico vazio, um sopro que brota da subjetividade de cada um impulsionando a criar (que os mesmos gregos chamavam de poíesis) e encontrando uma maneira de tornar-se visível. As vezes não há sacos vazios ou folhas caídas que nos façam ver o vento. Ainda assim ele continua a existir.

Nos últimos dois anos, Edilaine Brum produziu um grande número de esculturas ao mesmo tempo em que continuava a elaborar seus objetos. Distantes em variados aspectos, ambas linguagens parecem ser necessárias para que a artista consiga mover seus propósitos. Mas como se constitui esse sopro criador, ares rarefeitos que se juntam para insuflar força em suas criações? – Penso que duas vertentes interligadas são significativas: os desenhos e a serialização.

Numa primeira individual acredito que seja relevante mostrar essa produção mais recente tanto quanto indicar um pouco do processo da artista. Até mesmo devido ao fato de que os desenhos guardam uma beleza singela tanto quanto uma construção, mais evidente, do pensamento que se formalizará com mais força nas esculturas; por outro lado, o aspecto de narrativa metafórica de alguns desenhos vai ao encontro dos objetos.

Alguns dos desenhos expostos tem uma narrativa linear que envolve uma transformação ancorada no tempo. Essas duas condições, transformação e tempo, através do ajuntamento de elementos improváveis (taças, flores secas, caixas, toalhas de crochê antigas), faz os objetos expostos adquirem não só outra visualidade, mas camadas várias de compreensão. Ganham densidade e um corpo reconfigurado
marcado pelo tempo.

O outro grupo de desenhos expostos tem sua importância pela serialização. Nesse procedimento o artista reproduz o mesmo assunto ou tema várias vezes; as alterações que surgem atraem nosso olhar menos para o tema (no caso um corpo feminino) do que para o que estava em segundo plano ou desapercebido de nós: o material utilizado e o entendimento dele, a beleza de uma forma essencial desvinculada de sua carga simbólica ou sua função. Nos objetos a transformação a que são submetidos por Edilaine Brum lhes dá uma espécie de nobreza ou dignidade que reside na essencialidade do que são desvinculados do uso que representavam. Já o tempo, paradoxalmente, assume formas concretas em toalhas, taças, madeiras desgastadas, recipientes com a poeira do esquecimento do uso; um tempo situado no passado levado até o presente.

Nas esculturas a dimensão do tempo deixa de ser concreta, moldada pela luz. Ao invés da escultura totalmente estática, esta configuração torna sua superfície algo vibrátil, viva. Um escultor italiano da virada do século passado, Medardo Rosso, também tentou incorporar essa qualidade viva nas suas esculturas¹. Para isso ele utilizou cera sobre superfícies de gesso, experimentando como a luz podia moldar suas peças e buscando uma indefinição das formas que estivessem quase a ponto de perder-se na incompreensão daquilo que vemos. Para isso era necessário compreender tanto a matéria como sua materialidade; Edilaine Brum acrescenta à essa compreensão a insistência da serialização e a concentração em um tema: o corpo feminino.

No mundo das formas visíveis representadas algumas ocupam um espaço sólido e enorme em nossas culturas: os símbolos de devoção e o corpo humano (notadamente o corpo feminino). Que sejam, respectivamente, símbolos do sagrado e do profano, passíveis de trocarem de lugar, torna esta abordagem algo difícil de lidar. Poucos artistas lograram êxito em tratar temas que tenham essa grandeza de difícil mensuração².

Edilaine Brum olhou para o corpo feminino de maneira a ir além dele, de sua forma visível. Paradoxalmente a grandeza do tema se corporifica em pequenas, as vezes minúsculas, esculturas de uma expressividade intensa e vibrante. O escultor ítalo-suiço Alberto Giacometti realizou, em meados dos anos trinta, uma série de minúsculas esculturas em bronze³. Por analogia, é como se a questão da escala encontrasse uma solução numa das teorias da criação do Universo: concentrar toda potência num minúsculo ponto, prestes a explodir em nossas retinas.

Artistas, principalmente de matriz ocidental e judaico cristã, tem de usar a matéria para nos contar do que é imaterial. A construção da memória, a percepção de estarmos no mundo habitando um corpo animado por um frágil sopro, as dores deste corpo. Mas também as alegrias, corpóreas e mentais, que construímos. Há uma fábula de uma garotinha que vê oleiros a trabalhar. Ela também deseja colocar suas pequenas mãos na matéria úmida e pegajosa, mas também inexplicavelmente acolhedora. À ela isto é interditado por sua condição: “ora, uma menininha não deve sujar as mãos “. E erguem um muro à sua volta. Muito tempo depois, agora uma mulher, ela constrói um muro onde coloca um tijolo de crochê. Conta-se, por quem viu a cena, que uma criança soprava-lhe ao ouvido como fazer o muro e que som de sua voz se assemelhava ao vento.

Marcelo Salles | Setembro de 2021

1 . Ver também o catalogo da exposição “MedardoRosso: experiments in light and form” , Pulitzer Art Foundation, 2018, em: pulitzerarts.org/art/medardo-rosso/
2. O argentino Lucio Fontana foi um desses artistas que obteve êxito . Lembro do impacto ao ver a série “Via Crucis”, executadas em cerâmica, expostas em setembro de 2007 no Centro Cultural Maria Antonia em São Paulo. Infelizmente não há registros no site; é possível ver algumas imagens e informações em de cerâmicas de Fontana em: galerie-karsten-greve.com/en/artists/detail/lucio-fontana?tab=start
3. Giacometti – org. VeroniqueWiesinger; São Paulo, editora Cosac Naify, 2012

Exposição individual: AR(e)S, de Edilaine Brum
Período: 21 de setembro até 23 de outubro de 2021
Local: Casa Contemporânea
Rua Capitão Macedo, 370 – Vila Mariana, São Paulo

Agendamento de visitas presenciais:
Telefone: (11) 2337-3015
E-mail: contato@casacontemporanea370.com
Instagram: @casacontemporanea370