Exposições
Morada, de Rosana Côrte-Real Pagura
A pintura que acolhe
“A luz da janela de uma casa é uma luz que espera”1
Um arquiteto-filósofo, Juhani Pallasmaa, conta que durante sua infância morou em oito casas diferentes e que delas não conseguia recordar sua forma arquitetônica mas, ainda assim, construiu um lar, uma morada, que parecia viajar com ele para todos os lugares fazendo-o recordar vivamente a sensação de aconchego e proteção que faziam parte de sua experiência vivencial.
As pinturas que compõem a exposição Morada, de Rosana Côrte-Real Pagura, falam muito a respeito de sua autora. Sempre bom lembrar que isto não é tão óbvio quanto parece, ainda mais se tratando desta linguagem e a necessidade dos pintores contemporâneos falarem dos grandes temas globais, de todas as mazelas do mundo, serem engajados, prenhes de todas as teorias e, de quebra, produzirem trabalhos que sejam honestos e minimamente relevantes. Essa questão de uma honestidade com os trabalhos e consigo mesmo é algo imprescindível para os artistas.
Rosana parece não se preocupar em pertencer ao “contemporâneo”, talvez por isso suas pinturas possuem uma contemporaneidade singela. Deslocadas em relação ao grosso da produção pictórica atual por seu aspecto tátil, lento e temas pouco relevantes, são também dotadas de um certo arcaísmo que nada tem de saudosismo, mas tentam atualizar questões caras à própria pintura (como bem nos lembra Giorgio Agamben sobre o contemporâneo).
À primordial pergunta “o que pintar?” Rosana responde, guardadas as devidas proporções, da mesma maneira que Morandi: pintar o que está à mão, próximo de nós, mesmo que algo banal ou singelo, mas com o qual possamos desenvolver uma relação de certa maneira amorosa pois a relevância reside, para ambos, na própria pintura com suas cores, transparências, opacidades, relações entre os objetos e o mundo circundante, com a luz.
Evidente que outras questões, não explícitas, permeiam os trabalhos. Frascos, velas, rosas, as mesas do ateliê ou do café, do que nos falam? – de algo que, mesmo inanimado, parece exercer uma presença tanto física quanto imanente. Não são questões mundanas que estão presentes; não se fala de consumismo, beleza superficial ou formas a serem reproduzidas. É um cheiro que desperta a memória de uma viagem ou lembram algo prazeiroso, um dia calmo no campo, uma conversa com a filha em torno de xícaras de café e pão quente, uma angústia que se aplaca através da fé ou da devoção. É de causar estranheza que a arte, novamente, venha a se tornar refém da “mensagem” emancipatória explícita como meio de se legitimar perante as coisas do mundo. Como se arte já não tivesse um fardo pesado a carregar…
Matisse dizia que sua pintura devia ser um calmante para o cansaço mental do homem moderno2. Difícil não pensar desta mesma maneira em relação aos trabalhos desta exposição, mas além disso eles possuem uma dimensão de aconchego, de proteção que costumeiramente associamos ao lugar onde moramos. É como se a luz que emana das pinturas fosse aquela mesma da sala onde lemos ou descansamos ou da porta de entrada a nos lembrar que algo de bom nos espera.
Marcelo Salles